quarta-feira, 30 de março de 2011

“O problema não é ele, e sim a falta dele”


Vi e li uma matéria no Jornal Estado de Minas de sexta-feira, dia 25 de março, página 25(além da chamada na capa) que me fez pensar um pouco - ou mais um pouco – sobre um tema que, infelizmente se tornou “lugar comum” entre todos os meios de comunicação do nosso país. Era sobre uma mulher de 47 anos, Pedagoga, casada, mãe de dois filhos. Dependente química há muito anos, ela busca uma forma de parar de usar drogas. Começou a usar cocaína aos vinte e poucos anos e há 15 anos conheceu o crack e mantém um íntimo relacionamento com a droga. Durante a entrevista ela contou a devastação causada pelo uso interminável de drogas. Porém, o que me chamou a atenção foi uma frase que essa mulher soltou, logo no início da entrevista: “o problema não é ele, e sim a falta dele”. Como dizem os mineiros mais tradicionais, quazcaínuchão. Boquiaberto, fechei meus olhos e suspirei fundo.
Eu que achava ser o problema “só” a ponta do iceberg, a conseqüência, a “cereja do bolo” – o que eu já achava muito -, vi que, por pior que seja a sua presença, a ausência dele é que torna tudo muito maior, mais amplo, independente de ser a tal cereja ou não. Sentir falta de algo que se conhece muito, que faz parte ou que se torna parte da vida, principalmente nesse caso, é a somatória de toda a impotência humana. Não poder é uma forma de dizer para si mesmo “eu sou limitado”. Mas, e quando a vontade, a saudade, esse querer é maior do que toda a força que se consegue juntar?
O “não ter” se torna o único “ter”. O “não ter” se transforma e desequilibra de tal maneira que se esquece até do limite do próprio querer. E esse querer se perde. Ele não é mais vontade. Ele se despersonifica. O domínio desse querer se ausenta sem ser percebido. Acima do “desejo, necessidade, vontade” está o querer perdido, afoito, totalmente indisciplinado pela “falta dele”. Eu me torno – aliás, fui criado assim – e gosto, amo ser independente e auto-suficiente. Enquanto ser humano não gosto de depender de nada e muito menos de ninguém! “Depender de ônibus é f...”, eu digo. Eu cuido o máximo possível para fazer tudo da forma que eu quero, que eu gosto. E, se achar um espaço, eu interfiro em “tudo” à minha volta para que, se não for feita a minha vontade, do jeitinho que eu quero, que pelo menos permaneça como está, como deixei. Como quero.
O que fiz, pelo meu querer, não pode ser alterado, destruído. Se tornou “sacralizado” por mim. “Quero assim porque gosto assim!”. De fato não são ruins as coisas se manifestarem conforme quero. Porém, pode o meu querer interferir ou não o querer do outro? “E que seja feita a minha vontade”. É bom dizer isso, né? “Está tudo nos conformes”, “como eu planejei”, “como eu quis”. Parece que, além da sensação de “dever cumprido”, o que me encanta é “poder” fazer do “meu” jeito, “quando eu” quiser.
Então, se sou contrariado, se as coisas não conspiram conforme o meu querer e alteram o resultado obtido por esse querer, eu sofro. Busco alterar, novamente, o fluxo de tudo para que amenize essa dor, esse sofrimento. E a situação se torna incontrolável quando o problema não é a presença, e sim a ausência. Para mim, querer a ausência, depender da ausência, sentir falta da ausência é melancólico. E principalmente quando, no fundo do meu ser, no meu íntimo, diante de toda a minha auto-suficiência, eu não gostaria de querer aquilo. E a coisa se torna cíclica. Sinto saudades, sinto falta. E esse é o resultado de eu querer ser independente: tornar dependente disso, desse algo, “da minha própria independência”.
O processo de canalização que criei me tornou “completamente escravo” do meu próprio querer! A minha vontade já não é mais minha! Não determino mais “ou isto ou aquilo” na minha vida! Tudo o que tenho é o “querer da ausência”! Tudo o que quero é aquilo que não quero! Sabendo eu das várias vertentes que me levam a querer a minha independência, que já é nata,  encontro no oposto – ou aliado – a grande forma de tentar entender meus limites de independência a partir da dependência. Se as minhas ações e manifestações de independência, durante toda a minha vida não resultaram em algo que me deixasse um ser “completo” e satisfeito, se meu alvo sempre foi o meu querer compulsivo e desordenado, mantendo-me dentro de uma cadeia de atos e pensamentos insanos que me impediram de perceber a minha capacidade de transformação, então percebo que devo procurar, fora de mim, algo – ou alguém – que possa me ajudar a desconstruir e reconstruir toda a minha forma de ver, a minha crença. E essa “nova” forma de ver sempre existiu. Porém, enquanto eu me mantinha ocupado com minha independência, alimentando vorazmente o meu querer, não dava conta que esse estado deveria ter um fim.
Quando olho através do espelho da minha alma percebo que, por mais que eu prossiga nessa constante independência, encontro, dentro de mim, a grande entrada para a “dependência da presença”, a “maior” e “melhor” possibilidade de reverter um cenário de completa letargia que há muito dominava minha vida: admitir minha dependência do ser Supremo, do Criador do universo,do Soberano,  daquele que deve ser louvado por todo o ser que respira.
A minha independência só existirá quando eu aceitar essa dependência de Deus. Então, essa minha independência se torna liberdade, capacidade de pensar e agir com o coração de Deus, com a sabedoria de Deus, com a verdade de Deus. Assim, a frase “o problema não é ele, e sim a falta dele” que antes se referia a tudo aquilo que me impedia de realizar o meu querer, se torna “o problema não é ele, e sim a falta de Deus”.
Viver sem essa condição é viver sem condição de viver! É mascarar meus atos para não ter um peso na consciência. É tatuar na minha alma uma máscara grossa e profunda que só se elimina através de uma entrega total e sincera da vida à “vontade” divina. Vontade essa que, aos poucos vai se integrando ao meu ser e, antes que eu perceba – mesmo que tente, não conseguirei -, desintegra  todas as pontes que eu construí com minhas próprias mãos. Viver “na” graça é “ter” graça de viver!!!
                                                        
                                                          Só serei completamente feliz a partir do momento em que  conseguir olhar no olho do outro e ver nele o olhar de Deus.
                                                                            MENTE QUENTE