segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Presente de Deus

Sou uma pessoa bastante curiosa. Gosto de ler e muito mais de conversar com as pessoas. Às vezes até com quem não conheço. Sou curioso por querer saber o que está acontecendo por aí, nos fatos, nas situações, nas manifestações humanas e, principalmente – sei que nunca conseguirei isso, mesmo assim insisto – no que pensa o ser humano. O termo “entrar na mente” das pessoas (Mel Gibson sabe muito bem do que estou falando em seu engraçado personagem Nick Marshall em “Do Que As Mulheres Gostam”) é, para mim, uma obsessão. Sei que isso é humanamente impossível na prática, no concreto, na rigidez da palavra entrar, que quer dizer “passar de fora para dentro”, “ir ou vir para dentro”, “penetrar, introduzir-se”, “profundar, arraigar-se”. Mas quando eu falo entrar me refiro a duas situações: uma é a de fazer aquilo que acontece no filme estrelado por Gibson, onde ele, depois de um acidente com o secador de cabelos dentro da banheira de seu apartamento, adquire o poder de ouvir o pensamento das mulheres; a outra é a de entrar na mente como algo mais a ser questionado pelas pessoas, conseguir fazer com que elas pensem, repensem, triturem, analisem e concluam algo, seja de bom ou negativo, a partir de minhas ações, das coisas que escrevo ou daquilo que falo. Buscar o entendimento das nossas ações enquanto  seres dotados de “corações e mentes” é uma das mais gostosas viagens que faço por aqui, por este planeta. E tem certas ações que são, no mínimo curiosas. Uma delas é a que relatarei a partir de agora imprimindo minha opinião sobre o tema.
Desde garoto sempre gostei de ler os adesivos colados na traseira dos veículos que rodam por aí. Cada um com temas específicos, sejam de empresas, igrejas, mensagens, palavras, figuras, emblemas de times de futebol, faculdades, nomes de filhos, pais, etc. Houve uma época em que adesivos com a palavra “Fui” eram comuns. Depois “Voltei” também começou a aparecer.  E então, terços, “faces” de Cristo e símbolos conhecidos no mercado se tornaram comuns nos automóveis. Comecei  a analisar o que nos leva a colar em nossos automóveis esses adesivos que, penso eu, devem ter um  sentido ímpar. Além de uma palavra escrita errada – “promeça” de Deus -, tem algumas que me deixam encucado. Algo como “...sua inveja é a velocidade do meu sucesso” é terrível. Se o cara tem algum problema com alguém, uma situação que ficou mal resolvida, que acerte com quem aconteceu o fato. Será que o fato dele ser proprietário de um veículo causa a ele uma sensação tão grande de poder que quer que isso reflita nos outros, causando esse sentimento tão devastador? Defino isso como “consumismo deslumbrado”. Outra frase que é muito utilizada e já virou um jargão bem modista é “foi Deus que me deu”, com alguma variância tipo “presente de Deus”. Fico queimando os neurônios (eles foram feitos para serem usados) para tentar entender o que querem dizer essas pessoas. Sei que no Brasil ter um carro novo, de valor alto ou da marca tal é sinônimo de status. Lembro-me de um comercial que dizia “brasileiro é louco por carro”. Parece que isso ficou impresso no ar, na nossa mente de uma forma tão devastadora que o resultado tem sido preocupante: trânsito caótico por todo o país. Claro que outros fatores também colaboraram para o aparecimento das filas quilométricas nos horários do rush, mas esse bem ocupa a posição número um no rol de aquisições de quase todos nós. Voltando à abençoada frase ”presente de Deus”, fico imaginando a visão e a relação com os “bens materiais” que essas pessoas que imprimem esses dizeres em seus veículos têm. Será que na geladeira, no guarda roupas, na máquina de lavar, na TV, nas cerâmicas e pisos de suas casas está escrito essa frase? Imagino na época de frio: tênis, calça, camisa, blusa, às vezes um gorro, luvas e cachecol, tudo com uma etiqueta ou um adesivo escrito “presente de Deus”. E na gravata, bem em cima do nó, com letras maiúsculas. Os óculos escuros deveriam ter hastes bem mais largas para caber esse “carimbo” símbolo da carência humana, que deseja expor algo que, se analisarmos bem, podemos achar que Deus foi mais “gente boa” com essa pessoa do que com as outras. Eu Duvido. Quando uma pessoa dessa vai à praia e abre a sombrinha para se esconder do sol, a frase aparece reluzente com os raios solares. Falando em praia, não consigo  imaginar onde ficaria a frase na sunga de banho ou no biquíni (essa eu deixo para você).
A necessidade de expor o bem adquirido utilizando do nome do Ser sagrado, aliado a uma cultura completamente de consumo, não tem nada a ver com um presente, muito menos sendo este presente vindo de Deus. Nos encontramos num momento em que a relação ser / ter está se confundindo até com a forma que nos relacionamos com o Criador. O grande presente de tudo aquilo que se encontra debaixo do sol é ter sido criado por Ele. O grande presente do ser humano é a própria vida, simples, única, sem precedentes, sem comparações, sem restrições e, principalmente,  sem necessidade de reconhecimento do outro, do aplauso. É nessa vida que devemos, com nossos atos, com nossos laços afetivos, nossa ligação com o Pai, vivermos bem internamente, com menos culpa e vergonha, em comunhão com o mundo espiritual, em cima de princípios que ultrapassam as barreiras da matéria, do engano, do modismo, da cultura do consumo. E, assim, imprimirmos pelos caminhos que escolhemos seguir uma frase que realmente reflete o reconhecimento desse amor do Pai por nós: “eu sou um presente de Deus”!